Entidades reagem à declaração de Rui Costa sobre ‘inércia’ de servidores públicos
Fala de chefe da Casa Civil acirra os ânimos em meio a impasse sobre negociação de reajuste salarial. Sintsep-GO repudia fala de ministro e faz coro à Condsef/Fenadsef e às demais entidades que representam o funcionalismo federal
As principais entidades que representam os servidores públicos federais entraram em pé de guerra com o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, após entrevista à rádio Metrópole, da Bahia, quando Costa afirmou que o funcionalismo tem “tendência à inércia” e que precisa de uma “fungada no cangote” para atuar com eficiência. Tanto a Condsef, que representa as carreiras públicas, quanto o Fonacate, das carreiras típicas de Estado, divulgaram notas de repúdio.
Em consonância com o posicionamento das entidades nacionais, o Sintsep-GO também repudiou o posicionamento do ministro que, com essa postura, “jamais deveria compor um governo que busca a reconstrução do país e o diálogo com a classe trabalhadora”, afirma a presidenta da entidade goiana, Márcia Jorge. “Exigimos retratação por parte do governo e um posicionamento claro — se nós somos parceiros, ou não — porque isso definirá nossa pauta de ações de agora em diante”, complementa a sindicalista.
As declarações têm potencial para complicar ainda mais a relação entre o Executivo e os sindicatos, em um momento sensível das negociações salariais. Além do impasse na Mesa Nacional de Negociação Permanente, diversas carreiras estão mobilizadas em campanha salarial e, cada vez mais, avançam sobre a possibilidade de greve, como noticiado pela newsletter Por Dentro da Máquina, do JOTA.
Ao tratar do ritmo de funcionamento da máquina pública, diante de um questionamento sobre as cobranças feitas pelo presidente Lula, o chefe da Casa Civil respondeu: “Quando você não vê aquilo que você queria que acontecesse no prazo correto, no tempo correto, evidente que a temperatura sobe um pouquinho e a cobrança vem como qualquer outra. E é bom que seja assim. Digo sempre que quem é prefeito, governador, presidente da República tem que pisar no calcanhar, fungar no cangote para as coisas andarem”.
À Rádio Metrópole na segunda-feira (11/3), o ministro complementou: “Há uma tendência à inércia grande, em geral, no serviço público. Tem uma velha frase: ‘Não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje’. Então, às vezes, se você deixar solto, pessoal [adota o] ‘deixe para semana que vem, não tem necessidade de fazer agora, ou deixe para amanhã’. Na verdade, é preciso fazer hoje e não amanhã. Porque o povo precisa é hoje. Muitas vezes, o governante precisa dar calor para as coisas andarem no tempo correto, e o presidente sabe dar esse calor”.
Na quinta-feira (14/3), o Fonacate afirmou que Rui Costa “repete ataques sistemáticos ao funcionalismo feitos ao longo do último governo, como no episódio em que o ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, chamou os servidores de ‘parasitas’”.
“Além de um caso típico de assédio institucional, a fala revela inépcia do titular da pasta para endereçar questões ligadas ao serviço público brasileiro, justamente no momento em que esses 11,5 milhões de trabalhadores têm sido tão decisivos para que país retome seu caminho de desenvolvimento econômico e social”, afirma a entidade.
Antes de divulgar a nota, a direção do Fonacate procurou a Casa Civil, chegou a pedir audiência com o ministro para tratar da declaração e do atual cenário na relação do governo com os servidores, porém afirma que não obteve resposta.
Já a Condsef se manifestou por meio de secretário-geral, Sérgio Ronaldo da Silva. “Os milhões de servidores públicos de todo o Brasil merecem e exigem respeito”, afirmou.
“Ora, é o governo que deveria sair da inércia e ter mais agilidade para fazer o que ainda durante a campanha presidencial disse ser prioridade: reconstruir o Brasil e valorizar os serviços públicos”, disse Sérgio Ronaldo. “Temos e cumprimos obrigações, assim como exigimos que o governo também cumpra com as suas e respeite a categoria”, complementou.
Impasse
Esse episódio marca o momento mais tenso da relação entre servidores e Executivo desde o início do governo Lula, após o governo bater o pé sobre a proposta salarial para os servidores públicos federais, que prevê reajuste zero em 2024. Os sindicatos decidiram aumentar a pressão, e as tratativas sobre greve nas carreiras com maior número de servidores, como é o caso de Educação, Saúde, Previdência e Trabalho, ganha força.
Nesse cenário, o governo faz estudos sobre a possibilidade de reforçar o vencimento básico dos servidores, caso se confirme a alta na arrecadação no primeiro trimestre, premissa para qualquer reajuste linear em 2024.
Se a arrecadação ficar acima da projetada no primeiro trimestre, o Executivo deve mudar a atual proposta, que prevê reajuste de 9%, em duas parcelas iguais de 4,5%, em 2025 e 2026; aumento do Auxílio Alimentação de R$ 658,00 para R$ 1 mil, a partir de 1º de maio; e de 51% da Assistência Pré-Escolar.
O governo cogita não repetir o modelo de reajuste linear utilizado em 2023, quando houve recomposição de 9%. Nas últimas semanas, o Executivo passou a trabalhar com a possibilidade de estabelecer um valor nominal, que seria incorporado aos salários de servidores da ativa e de aposentados.
O plano, que repete a lógica da recomposição do auxílio-alimentação, tem impacto proporcional maior sobre os servidores com salários menores. O Fonacate já se manifestou contra a ideia e sinaliza que, caso haja avanço, o tema poderá ser judicializado.
Sintsep-GO com JOTA (Roberto Maltchik)
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil