Entenda o pacote de Bolsonaro que coloca o Estado a serviço do mercado
Propostas desmontam fundos públicos, carreira de servidores e alinham regras de contas públicas a interesses rentistas
O pacote de medidas econômicas apresentado pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL) ao Congresso é uma tentativa de desmonte do Estado em prol de interesses privados, afirmam deputados da oposição e economistas ouvidos pelo Brasil de Fato.
Na terça-feira (5), foram feitas três Propostas de Emenda Constitucional (PECs), englobadas no que a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, chama de “Plano Mais Brasil”: PEC do Pacto Federativo, PEC Emergencial e PEC dos Fundos Públicos.
As propostas mexem fundamentalmente em fundos públicos, na carreira de servidores e em regras de contas públicas que envolvem, por exemplo, repasses às pastas de saúde e educação de estados e municípios.
Para a oposição, o pacote não promoveria melhorias econômicas efetivas, mas sim abriria caminho para privatizações, prejuízos ao funcionalismo público e estrangulamento de políticas sociais.
Estado X mercado: “O governo dos agiotas”
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) classificou o pacote proposto como “PEC da Agiotagem”. Segundo ela, todas as medidas propostas têm o objetivo único de pagar juros de dívidas públicas a rentistas e atender a interesses de bancos.
“Todo superávit, em vez de ir para saúde e educação, vai para pagar dívida, pagar juros. Está escrito nas PECs. Os fundos públicos que eles extinguem – Fundo Nacional de Saúde, Fundo de Ciência e Tecnologia –, fundos criados para políticas públicas… sabe para onde vai o dinheiro desses fundos. O que significam superávits? Para pagar dívida pública. Para banco, para juros. Essas PECs são para isso. Este é o governo dos agiotas”.
O pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) e economista David Daccache concorda com a deputada. Para ele, as propostas visam destruir o Estado para abrir espaço a interesses privados.
“É um projeto estrutural de redução do Estado para que se abra esferas de acumulação de capital. Quando você sucateia serviços públicos, abre espaço para que a iniciativa privada ocupe esse espaço de precarização que está em curso. É a destruição do que é público em prol do privado”, argumenta.
O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) compara as propostas às medidas econômicas tomadas pelo presidente do Chile, Sebastián Piñera, que geraram uma onda de protesto popular no país.
“Eles dobraram a aposta no modelo chileno. Paulo Guedes é um Chicago Boy Chileno. É arrocho salarial, são privatizações, é o mercado mandando a destruição e o desmonte do Estado brasileiro. Eles sabiam que não conseguem manter o teto de gastos e nem a regra de ouro. Então, resolveram espremer o servidor público e o gasto público com educação e saúde, com todas as questões sociais”, diz.
Ataques a trabalhadores
Para contingenciar os gastos públicos, o Plano Mais Brasil também prevê a redução de salários e jornada de servidores públicos em 25% e o congelamento do salário mínimo até 2021. O mecanismo para tal seria acionado quando o Congresso autorizar o desenquadramento da “regra de ouro”, no caso da União, ou quando a despesa corrente líquida de estados ou municípios ultrapassar 95% da receita corrente.
Para o líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), a ação do governo de mexer nas contas dos mais pobres parte da falta coragem de rever benefícios dos “super-ricos”.
“O governo quer congelar o salário dos trabalhadores que menos ganham no país, o salário mínimo, mas não tem coragem de mandar a essa Casa uma proposta sequer que mexa com os privilégios dos super-ricos, que, no Brasil, são os que menos pagam impostos”, argumenta.
Gilberto Bercovici, professor de Direito Econômico e Economia Política da Universidade de São Paulo (USP), diz que as medidas só atacam servidores na tentativa de deslegitimá-los, preservando direitos de “poderosos”.
“Ele [Bolsonaro] está querendo destruir os servidores, a capacidade produtiva, com um caos econômico. Está fazendo como aquelas empresas que você destrói para garantir dividendo. Ele está destruindo o Estado para garantir o pagamento da dívida”, opina o professor.
Para ele, o pacote ataca direitos de trabalhadores para dar mais a servidores com poder. “Ele [Bolsonaro] só ataca quem ganha pouco, a massa. Eles não vão para cima de quem tem poder. A gente vai virar uma colônia de escravos de juízes, procuradores e militares de alta patente”, critica.
Saúde X educação
A PEC do Pacto Federativo, a principal das três, prevê, entre outras medidas, a unificação dos gastos mínimos obrigatórios para saúde e educação. Na prática, as duas áreas concorreriam pelo mesmo fundo, com a possibilidade de retirada de uma para compensação da outra.
Alessandro Molon diz que a proposta é inaceitável. “Ao propor juntar os mínimos constitucionais, o governo quer colocar a saúde contra a educação, e educação contra a saúde. O governo, com esse pacote, está dizendo para o povo brasileiro: ‘Vocês escolhem: ou vocês têm saúde ou vocês têm educação’. Não queremos que o povo brasileiro seja obrigado a escolher se vai ter seus filhos educados ou se vai poder ter acesso a remédios e a hospital público”.
Para o pesquisador David Daccache, a unificação dos gastos mínimos é uma tentativa de sucateamento da saúde e educação para favorecer entidades privadas da área.
“A consequência dessa medida é o aumento da desigualdade na oferta de serviços públicos. Saúde e educação serão precarizados à população mais pobre para atender a interesses de instituições privadas, como hospitais e universidades particulares”, destaca.
Extinção de municípios
Também na PEC do Pacto Federativo está prevista a extinção de municípios com menos de 5 mil habitantes – ao todo, são 1254 no país, conforme a oposição- -, com consequência incorporação a municípios próximos.
O professor Gilberto Bercovici diz acreditar que a proposta para extinção de municípios com menos de 5 mil habitantes é apenas uma tentativa do governo Bolsonaro de tirar a atenção dos congressistas para os pontos mais importantes do pacote.
“Jogaram um bode na sala. Todos sabem que isso [a extinção dos municípios] jamais vai passar no Congresso, até porque os deputados precisam muito dos votos dessas pessoas. A ideia é jogar algo que gera conversa, mais radical, para tirar a atenção dos pontos que realmente devem ser discutidos”, explica.
O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) afirma que a proposta é um “estelionato eleitoral”. “O governo tem a obrigação de informar seus objetivos antes da eleição. O Bolsonaro jamais tratou desses temas com a população. Pela proposta, o nosso estado, o Rio Grande do Sul, terá metade das cidades extintas. Isso jamais foi debatido, jamais foi aventado. Portanto, é um estelionato”, sugeriu.
Reforma tributária
A oposição sugere, como solução econômica e alternativa à série de medidas propostas, a votação de uma reforma tributária progressiva.
A deputada Jandira Feghali diz que a única forma de recuperar a economia do país é taxas grandes fortunas e dar possibilidade de trabalho aos pobres.
“O que temos que discutir é a reforma tributária. Nós temos proposta, queremos debater a reforma tributária como instrumento de superação da desigualdade do Brasil. Essa é a marca do país, além do racismo estrutural. Nós queremos que a pauta seja a reforma tributária e a geração de emprego e renda”, sugere a deputada.
Alessandro Molon também faz coro à prioridade para a reforma tributária. “Nós vamos lutar para que seja votada a reforma tributária, em especial a proposta unificada nossa, da oposição. O que o governo está propondo no Senado é agravar a desigualdade. Precisamos reverter isso”.
Edição: Rodrigo Chagas – Brasil de Fato