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Interino da Fazenda prop�e corte de gastos, quer precificar a Amaz�nia e afirma que per�odo de mega-aumentos para servidor ficou para tr�s

O ministro-interino da Fazenda, Nelson Machado, acredita que n�o h� mais necessidade de o governo conceder grandes reajustes aos servidores p�blicos � cuja folha, como mostrou ontem o Correio Braziliense, totalizar� R$ 1 trilh�o nos oito anos da administra��o Lula. Para ele, no entanto, n�o d� para cravar que a Uni�o n�o far� corre��es muito acima da infla��o, j� que 2010 � um ano de elei��es. Ele garante que o grosso do funcionalismo federal recebe hoje rendimentos m�dios semelhantes aos pagos pela iniciativa privada, funcionando como uma trava a uma poss�vel debandada do setor p�blico. Machado, apontado como o mais poderoso e eficiente secret�rio executivo da Esplanada dos Minist�rios, admite que chegou a hora de o governo desenvolver uma s�rie de a��es para melhorar a qualidade dos gastos p�blicos. Para isso, ele decidiu tocar um conjunto de medidas denominadas macroprocessos. O nome realmente � t�cnico, mas tem como um dos focos principais o corte de custos e a maior efici�ncia dos gestores na aplica��o dos recursos do Or�amento federal. H� ainda duas frentes de a��o: construir a contabilidade patrimonial, para precificar todos os ativos do pa�s, inclusive a Floresta Amaz�nica e a emiss�o de g�s carbono, e tornar mais eficiente e �gil o pagamento de d�vidas � Receita Federal. Para ele, tudo isso significar� uma revolu��o cultural, que n�o ficar� restrita a um �nico governo. A seguir, os principais trechos da entrevista que o ministro-interino da Fazenda concedeu ao Correio na �ltima sexta-feira.

Em recente entrevista ao Correio, o presidente do Banco Central, Henrique Meireles, disse que havia chegado ao fim a era dos megarreajustes de sal�rios dos servidores p�blicos. Para ele, a prioridade do Or�amento, agora, deve ser o aumento dos investimentos. O senhor concorda?
Nunca gosto de fazer falas t�o definitivas, justamente porque temos a� um processo eleitoral e vamos ter um segundo momento (de decis�es). Na minha avalia��o, o governo Lula fez uma valoriza��o forte dos servidores e, portanto, isso redundou em reajustes para v�rias categorias. Acho que hoje (os sal�rios) est�o num patamar compat�vel com o mercado e respeitoso com o funcionalismo. Creio que esse patamar faz jus �s responsabilidades que os servidores t�m. Nesse sentido, n�o vejo mais necessidade de grandes reajustes. Agora, de repente, pode ter uma ou outra categoria que ainda est� com sal�rios defasados. Mas realmente n�o vejo necessidade de grandes reajustes para agora.

Os sal�rios foram equiparados aos da iniciativa privada ou est�o acima?
Para o n�vel gerencial, com certeza os rendimentos est�o no mesmo n�vel. Mas se pegar na c�pula das corpora��es, nem em sonho � poss�vel competir com a iniciativa privada. Existem grandes companhias que contratam com sal�rios exorbitantes. S� que, na m�dia, acredito que os sal�rios pagos pelo governo est�o bem. Conhe�o procuradores que pediram demiss�o e foram trabalhar l� fora para ganhar mais. Eles est�o no topo dos sal�rios. Agora, n�o h� risco (de debandada), mesmo porque l� fora n�o h� espa�o para 20 mil pessoas, mas para meia d�zia com esses sal�rios (astron�micos).

Os grandes reajustes t�m provocado questionamento enorme entre os economistas do mercado e do pr�prio governo sobre a qualidade dos gastos p�blicos. As cr�ticas s�o justas? O modelo atual tem de ser revisto?
N�o h� d�vidas que temos um grande desafio pela frente, o de buscar a melhoria do gasto. Por isso, estamos desenvolvendo um conjunto de a��es chamado de macroprocessos. Existe hoje um modelo tradicional de se ver a organiza��o p�blica, de olhar para as secretarias, os departamentos. Esse modelo funcional, para a gente, � f�cil de assimilar. Mas quem est� de fora n�o nos entende. Ent�o, estamos propondo um modelo de macroprocessos. O primeiro deles � o macroprocesso or�ament�rio financeiro, que � muito complexo, porque n�o � s� do Minist�rio da Fazenda. Perpassa os �rg�os centrais, como a Fazenda, o Planejamento, a Casa Civil, a Secretaria de Controle. � um macroprocesso que nasce na formula��o da pol�tica p�blica, passa pela execu��o do or�amento e s� termina quando as contas s�o aprovadas pelos �rg�os de controle. Nosso objetivo � tornar todo esse longo processo mais eficiente, focando nos custos. O objetivo � medir a efici�ncia dos gestores e cobrar resultados.

O senhor realmente acredita na maior efici�ncia dos usos dos recursos p�blicos? A grande maioria v� falta de planejamento no governo e despreparo. � isso mesmo?
N�o vejo dessa maneira. Acho que o Brasil tem um sistema bom de planejamento. Temos virtudes e defeitos. Uma das virtudes � o fato de termos um modelo de planejamento que est� estabelecido na legisla��o. Temos, portanto, um Or�amento de curto prazo. E temos tamb�m um de m�dio prazo, que � o Plano Plurianual (PPA), que tem quatro anos de dura��o. No Or�amento anual tamb�m tem essa previsibilidade, porque cont�m a diretriz dos gastos que o setor p�blico vai fazer. E mais: esse Or�amento � trabalhado com todos os entes da Federa��o, Uni�o, estados e munic�pios. Todos trabalham com o mesmo formato de legisla��o. Por mais dif�cil que seja compreender os relat�rios de Or�amento, h�, sem d�vida, uma qualidade, que � a uniformidade. Todos s�o iguais no Brasil inteiro. Para um pa�s com a extens�o que temos, n�o � f�cil fazer isso. Em outros pa�ses, por exemplo, n�o funciona dessa forma. Isso � uma vantagem do nosso sistema or�ament�rio.

E os defeitos? Pelo que se percebe, eles s�o muito mais evidentes, tamanha a gritaria em rela��o � qualidade dos gastos, aos desvios de recursos, aos sobrepre�os.
Sempre � poss�vel reduzir o custo das a��es (do governo) e reduzir os gastos. H� v�rias maneiras para isso, seja pelo conhecimento do custo das linhas de a��o, seja pela busca de novas linhas de a��o ou at� pela avalia��o se a a��o executada deve permanecer ou n�o. Tudo isso est� em an�lise. Mas algumas coisas s�o culturais. Por exemplo: o governo gasta uma quantidade enorme de dinheiro com passagens a�reas. E sabemos que � poss�vel reduzir essas despesas com reuni�es por videoconfer�ncia. De alguma forma, isso j� acontece. Mas � preciso mais, � preciso que se avalie bem se realmente h� necessidade de viagens ou de outro gasto que seja.

O senhor realmente acredita que ser� poss�vel mudar a mentalidade, promover uma revolu��o cultural na formula��o e execu��o do or�amento?
H� v�rias maneiras de se trabalhar essas quest�es. A mais cl�ssica � impor limites, cortar pura e simplesmente parte das despesas. Mas a� cito o caso do dono de uma f�brica de cal�ados que desejava reduzir custos. Ao fim do ano, ele percebe que gastou muito com couro. Ent�o, reduz a quantidade de couro. Mas isso quer dizer que ele fabricar� menos cal�ados ou ter� um produto de menor qualidade. No setor p�blico � a mesma coisa. A gente n�o pode tomar s� esse tipo de medida.

Ent�o, qual � o caminho?
A maneira mais adequada de gerenciar gastos � ter uma cultura de redu��o de custos. De os dirigentes estarem preocupados em executar mais e melhor com menos recursos. Se eu tiver um processo de capacita��o e um processo de divulga��o da medida (de redu��o de custos) j� melhora bastante. � uma quest�o cultural e de informa��o. Por isso, � essencial que criemos um sistema de custos. Porque ele dar� a informa��o que permitir� que o dirigente de cada �rg�o altere ou reveja suas a��es. Agora, n�o sejamos inocentes. As coisas precisam de incentivos. Ningu�m trabalha sem incentivo. E, muitas vezes, os nossos incentivos s�o inadequados.

Como assim?
Nas corpora��es com fins lucrativos, o dirigente est� preocupado em aumentar a receita e diminuir o custo porque a medida dele � clara: o lucro. E se ele tiver lucro, tem participa��o. E se tem participa��o, ele p�e dinheiro no bolso. Os bancos europeus, por exemplo, sobretudo os da Inglaterra e os da Fran�a, querem limitar o pagamento de b�nus a seus executivos, porque isso faz com que eles assumam riscos desnecess�rios. Esse � um incentivo inadequado, o que n�o quer dizer que todo incentivo financeiro seja errado.

Mas quais as implica��es disso para o setor p�blico?
Trabalhamos com dota��o or�ament�ria, o que quer dizer que cada �rg�o tem que trabalhar com os procedimentos de dota��o. Vamos supor que um �rg�o X tenha R$ 100 mil de dota��o para gastar no ano. Pelo nosso modelo, o �rg�o deve fazer licita��o e empenhar os valores. Mas digamos que as licita��es atrasaram ou que as compras feitas pelo �rg�o tiveram valores menores do que o que havia sido previsto, gerando economia. Nesse caso, digamos que o �rg�o gastou R$ 80 mil dos R$ 100 mil a que tinha direito. Qual � a l�gica dos �rg�os centrais de controle? � assim: faz-se o Or�amento de 2010 olhando para o Or�amento de 2008, porque o de 2009 est� em andamento. A avalia��o � feita da seguinte forma: se em 2008 o �rg�o gastou R$ 80 mil e n�o os R$ 100 mil a que tinha direito, ele s� vai receber R$ 80 mil para gastar em 2010. E qual � o incentivo que o gestor p�blico tem para reduzir o seu gasto de R$ 100 mil para R$ 80 mil? Nenhum. Porque ele sabe que no outro ano vai ter que trabalhar s� com os R$ 80 mil. E isso fica ainda pior no caso de ele ter postergado alguma despesa para o outro ano, porque, a�, em vez de ter R$ 120 mil para gastar, ter� s� os R$ 80 mil. � uma l�gica estranha.

� essa a l�gica que a Fazenda quer mudar?
Isso � uma cultura que se estabeleceu no mundo. Todos os dirigentes or�ament�rios t�m essa preocupa��o. Por isso, acredito que uma das coisas que o sistema de custos pode ajudar � trabalhar n�o com a dota��o em si, mas com as quantidades produzidas, os custos de cada �rg�o. E pode levar a dota��o do ano que voc� n�o gastou para o outro ano. Hoje, o valor que n�o foi empenhado no mesmo ano n�o vai para o segundo, nem em restos a pagar. Porque at� essa verba tem que ser empenhada at� o fim de cada ano para que esteja liberada para o pr�ximo. � o que a gente chama carry-over (passagem de uma folha � outra) de dota��o or�ament�ria. O nosso regime n�o permite o carry-over. Ao n�o permitir isso, abre-se a possibilidade de n�o alcan�ar o melhor gasto poss�vel. � claro que os �rg�os da ponta sempre t�m uma preocupa��o grande em fazer o carry-over.

De onde v�m essas resist�ncias?
A maior delas sou eu mesmo, aqui na Fazenda. Porque � mais dif�cil administrar o caixa do governo tendo dota��es carregadas de anos anteriores. A n�o ser que fa�amos uma mudan�a maior no or�amento, como se discute hoje no Congresso Nacional. Mas se n�o, imagine como seria administrar o caixa. Tenhamos como exemplo um Or�amento de receitas de R$ 200 e despesas de R$ 200 em um ano. Digamos que um �rg�o s� tenha gasto R$ 170, e decida levar os R$ 30 para o ano seguinte. Nesse caso, como eu conciliaria os R$ 230 de despesas, caso pudesse gastar os R$ 30, com receitas de R$ 200? � um desafio.

O fato de n�o haver o carry-over torna o Or�amento a pe�a de fic��o que todos alardeiam?
Voc�s j� leram pe�as de fic��o? Todas t�m uma base de realidade. Quando se l� A volta ao mundo em 80 dias (do escritor franc�s J�lio Verne)� � pura fic��o. Mas a obra se baseia em um monte de coisas que existem. Ent�o, o Or�amento n�o ocorre exatamente como est� escrito. At� porque seria um feito enorme do ministro do Planejamento (Paulo Bernardo), digno de merecer um Pr�mio Nobel sei l� do qu�. Tinha que dar um diploma de Deus para o ministro que conseguisse isso. N�o tem como. Grande parte da literatura de finan�as que discute Or�amento se dedica a analisar as varia��es entre o planejado e o executado. Porque sempre vai haver diferen�as.

Mas para melhorar a gest�o dos recursos p�blicos � preciso ir al�m do or�amento, n�o �?
Sim. Por isso, temos dois outros pontos que constituem os macroprocessos. Um se refere � evolu��o da contabilidade financeira para a patrimonial. Muitos se preocupam apenas se o governo est� fazendo ou n�o superavit fiscal e esquecem a import�ncia de se medir o patrim�nio do pa�s. Temos que passar a contabilizar quanto vale a Amaz�nia, quanto est� sendo consumido do Aqu�fero Guarani, medir os custos de emiss�o de carbono. Essa contabilidade patrimonial est� sendo discutida no mundo inteiro e o Brasil n�o pode ficar de fora. Outro ponto do macroprocesso trata do cr�dito tribut�rio. A meta � tornar a vida do contribuinte mais f�cil na hora de acertar a sua situa��o com a Receita Federal e permitir que o recebimento de d�vidas seja r�pido. Hoje, n�o h� uma conversa entre os �rg�os que integram o sistema arrecadador brasileiro: Receita, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Atualmente, os contribuintes falam com cada um desses �rg�os isoladamente porque eles n�o est�o integrados tecnologicamente. O que queremos � que, ao procurar um deles, o contribuinte possa resolver sua pend�ncia independentemente da inst�ncia. � um desafio enorme ao qual resolvermos enfrentar. E j� est� dando resultados positivos.

Fonte: Correio Braziliense (11/01/10)