Adiamento da proposta de reforma administrativa recebe críticas
Enquanto o presidente Bolsonaro indica que o governo adiará o envio da proposta de reforma administrativa, representantes do funcionalismo público e deputados criticam intenção de alterar estabilidade e a jornada de trabalho
É grande a expectativa em Brasília com o andamento da proposta de reforma administrativa, a ser apresentada pelo governo federal ao Congresso. O Ministério da Economia prometeu apresentar o texto nesta semana, depois de pelo menos 15 dias de atraso desde a primeira projeção. Mas o presidente Jair Bolsonaro sinalizou mais um adiamento no envio da proposta que busca, entre outras mudanças, acabar com a estabilidade de novos servidores públicos. O chefe do Executivo não garante que ela será encaminhada nos próximos dias. “Vai aparecer, não sei quando. Mas vai demorar um pouquinho mais ainda”, disse ontem, ao chegar ao Palácio da Alvorada, após viagem ao litoral de São Paulo. A declaração é diferente do que alegou na última segunda-feira, quando afirmou que a proposta chegaria em breve.
A sinalização do presidente animou parlamentares e representantes de servidores, grupos que se organizam para barrar a proposta antes mesmo de ela chegar ao Congresso. Coordenador da Frente Parlamentar em Defesa do Serviço Público, o deputado professor Israel Batista (PV-DF) diz notar um movimento crescente contra a reforma nos últimos dias. “Sinto que as pessoas querem participar da frente com mais vigor”, diz. Com os atrasos e a declaração de Bolsonaro, o governo mostra que não está otimista e que se preocupa com a repercussão negativa, avalia o deputado. “Deve ter acendido uma luzinha de dúvida”, afirma. Israel Batista conta que vários deputados o procuraram na semana passada para se informar sobre o assunto. E, para a surpresa dele, as abordagens não vieram só da esquerda, que costuma defender a pauta, mas também de partidos como o PSDB, histórico defensor de políticas reformistas, e o Solidariedade, de centro.
“Estamos dispostos a encontrar alternativas para a melhoria do serviço público brasileiro, mas não aceitamos que esse debate seja feito com base em mitos e sob o mantra da demonização dos servidores”, disse Professor Israel.
Defensores dos direitos dos servidores têm conversado com lideranças partidárias para explicar o que consideram pontos negativos, como o fim da estabilidade e a possibilidade de diminuição da jornada de trabalho e, consequentemente, dos salários. Já se encontraram, inclusive, com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em busca de apoio. Assim que a proposta chegar ao Congresso, eles pretendem convidar técnicos do Ministério da Economia para audiências e marcar reuniões oficiais com os líderes do governo.
Na lista de queixas que serão apresentadas, também estão a redução das remunerações iniciais e o congelamento das progressões de carreira. Outro ponto polêmico é a proibição de que servidores se filiem a partidos políticos. “Sou completamente contrário, e todos os líderes concordam comigo que esse ponto não passa. Me admira um ministro da altura do Paulo Guedes (Economia) discutir isso”, diz o líder do Podemos na Câmara, José Nelto (GO). Apesar da crítica, ele é favorável ao “fim dos privilégios do funcionalismo” e à maioria das mudanças antecipadas pelo governo.
Protestos a caminho
Aliada ao trabalho das duas frentes parlamentares, uma série de manifestações públicas está programada para defender os direitos do funcionalismo. Essa mobilização está sendo organizada por centrais sindicais e entidades representativas dos servidores públicos. Para Sérgio Ronaldo da Silva, secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), as medidas discutidas pelo governo contribuem para o “agravamento do desmonte dos serviços públicos prestados à população brasileira”.
“Já vimos esse filme, e ele faz parte de uma política neoliberal que adota austeridade e promove cortes no setor público, usando como velha desculpa a necessidade de enxugar a máquina pública. Apontar servidores como ‘inimigos’ também não é novidade”, disse o sindicalista. “Mas a população deve estar muito atenta. Para nós, é um desserviço falar em privilégios no setor público de modo generalizado. Pois essa não é a realidade da absoluta maioria dos servidores”, acrescentou, frisando que os funcionários do Executivo estão há dois anos sem qualquer reposição salarial.
Segundo Sérgio Ronaldo, a estabilidade no funcionalismo, por exemplo, é equivocadamente interpretada como um privilégio. “Está quase que no imaginário popular que um servidor público jamais pode ser mandado embora, ser exonerado. Mas isso não corresponde aos fatos. De 2003 até agora, dados oficiais do governo mostram que mais de 7,5 mil servidores foram exonerados de cargos públicos”, explicou.
Na sua opinião, a estabilidade não serve para beneficiar maus servidores, mas para proteger os bons que devem ter segurança para realizar as funções e atribuições que lhe competem, em benefício da sociedade, “sem sofrer com isso nenhum tipo de perseguição ou situações do gênero”.
Quanto à PEC que prevê a redução da jornada e redução proporcional de salários e subsídios, o secretário-geral da Condsef disse que ela representa a continuidade de um processo de arrocho há anos imposto ao funcionalismo.
“Os servidores já enfrentam problemas com essa política neoliberal que desde o final de 2016. Já com Temer, a Emenda Constitucional 95 foi aprovada, e a maioria dos servidores federais, desde então, está com suas remunerações congeladas. O arrocho salarial não é exatamente uma novidade para servidores que, durante os 8 anos de governo Fernando Henrique Cardoso, chegaram a acumular perdas salariais de quase duzentos por cento, considerada a inflação”, afirmou o líder sindical.
“Aquele período, do governo FHC, ficou conhecido como anos de chumbo. Servidores enfrentaram também tempos difíceis quando muitos foram demitidos no governo Collor. Atravessamos esses momentos com unidade e mobilização e superamos. Não será diferente agora”, alertou Sérgio Ronaldo.
Fonte: Correio Braziliense